MĂșsculo estalante
ConferĂȘncia Sobre o Espiritismo
Sob o título de: O Espiritismo perante a Ciência, uma conferência pública, pelo Sr. Chevillard, tinha sido anunciada para o dia 30 de janeiro último, na sala do Boulevard des Capucines. Em que sentido devia falar o orador? É o que todo o mundo ignorava.

O anúncio parecia prometer uma discussão ex-professo de todas as partes da questão. Todavia, o orador fez completa abstração da parte mais essencial, a que constitui, a bem dizer, o Espiritismo: a parte filosófica e moral, sem a qual seguramente o Espiritismo não estaria hoje implantado em todas as partes do mundo, e não contaria seus adeptos por milhões. Desde 1855 já se cansavam das mesas girantes; certamente se a isto se tivesse limitado o Espiritismo, há muito tempo não se falaria mais dele; sua rápida propagação data do momento em que nele se viu algo de sério e de útil, em que se entreviu um objetivo humanitário.

O orador limitou-se, pois, ao exame de alguns fenômenos materiais, porque nem mesmo falou dos fenômenos espontâneos, tão numerosos, que se produzem fora de toda crença espírita. Ora, anunciar que se vai tratar de uma questão tão vasta, tão complexa em suas aplicações e em suas conseqüências e deterse em alguns pontos superficiais, é absolutamente como se, sob o nome de Curso de Literatura, um professor se limitasse a explicar o alfabeto.

Talvez o Sr. Chevillard se tivesse dito: “Para que falar da doutrina filosófica? Já que essa doutrina se apóia sobre a intervenção dos Espíritos, quando eu tiver provado que tal intervenção não existe, todo o resto desmoronará.” Quantos, antes do Sr. Chevillard, se gabaram de haver desferido o último golpe no Espiritismo, sem falar do inventor do famoso músculo estalante, o doutor Jobert (de Lamballe), que enviava sem piedade todos os espíritas para o hospício de Charenton e que, dois anos mais tarde, ele próprio morria numa casa de alienados! Contudo, a despeito de todos esses fanfarrões, ferindo a torto e a direito, e que pareciam não ter senão que falar para o reduzir a pó, o Espiritismo viveu, cresceu e vive sempre, mais forte, mais vivaz do que nunca! Eis um fato que tem o seu valor. Quando uma idéia resiste a tantos ataques, é que existe alguma coisa a mais.

Não se viram outrora cientistas se esforçando para demonstrar que o movimento da Terra era impossível? E sem ir tão longe, esse século não nos mostrou uma corporação ilustre declarar que a aplicação do vapor à navegação era uma quimera? Um livro curioso a fazer seria a coletânea dos erros oficiais da Ciência. Isto é simplesmente para chegar a esta conclusão: quando uma coisa é verdadeira, marcha a despeito de tudo, malgrado a opinião contrária dos sábios. Ora, se o Espiritismo marchou, apesar dos argumentos que lhe opuseram a alta e a baixa ciência, é uma presunção em seu favor.

O Sr. Jobert (de Lamballe) tratava sem-cerimônia todos os espíritas de charlatães e escroques. Deve-se render justiça ao Sr. Chevillard, que só os censura por se enganarem quanto à causa. Aliás, os epítetos indecorosos, além de nada provarem, sempre denotam falta de civilidade, e ficariam muito deslocados num auditório onde, necessariamente, deveriam encontrar-se muitos espíritas. O púlpito evangélico é menos escrupuloso; aí se diz
muitas vezes: “Fugi dos espíritas como da peste e persegui-os”, o que prova que o Espiritismo é alguma coisa, já que o temem e desde que não se dão tiros de canhão contra moscas.

O Sr. Chevillard não nega os fatos; ao contrário,admite-os, pois os constatou. Apenas os explica à sua maneira. Ao menos traz um argumento novo em favor de sua tese? Pode-se julgar por isto:

“Cada homem, diz ele, possui uma quantidade maior ou menor de eletricidade animal, que constitui o fluido nervoso. Esse fluido se desprende sob o império da vontade, do desejo de fazer mover uma mesa; penetra a mesa e esta se move; as pancadas na mesa não passam de descargas elétricas, provocadas pela concentração do pensamento.” Escrita mecânica: a mesma explicação.

Mas como explicar as pancadas nas paredes, sem a participação da vontade, em pessoas que não sabem o que é o Espiritismo, ou nele não acreditam? Superabundância de eletricidade, que se desprende espontaneamente e produz descargas.

E as comunicações inteligentes? Reflexo do pensamento do médium. – E quando o médium obtém, pela tiptologia ou pela escritura, coisas que ele ignora? Sempre se sabe alguma coisa, e se não for o pensamento do médium, poderá ser o dos outros.

E quando o médium escreve, inconscientemente, coisas que lhe são pessoalmente desagradáveis, é o seu próprio pensamento? Deste fato, assim como de muitos outros, ele não cogita. Entretanto, uma teoria não pode ser verdadeira senão com a condição de resolver todas as fases de um problema. Se um único fato escapar à explicação, é que esta é falsa ou incompleta. Ora, de quantos fatos esta é impotente para dar a solução! Desejaríamos muito saber como o Sr. Chevillard explicaria, por exemplo, os fatos relatados acima concernentes à Srta. de Chilly, a aparição do jovem Eduardo Samuel, todos os incidentes do que se passou na Ilha Maurício. Como explicaria, pelo desprendimento da eletricidade, a escrita em pessoas que não sabem escrever? pelo reflexo do pensamento o caso daquela criada que escreveu, diante de toda uma comunidade: Eu roubo a minha patroa?

Em suma, o Sr. Chevillard reconhece a existência dos fenômenos, o que já é alguma coisa, mas nega a intervenção dos Espíritos. Quanto à sua teoria, não oferece absolutamente nada de novo; é a repetição do que tem sido dito, desde quinze anos, sob todas as formas, sem que a idéia tenha prevalecido. Será ele mais feliz do que os seus antecessores? É o que o futuro provará.

É verdadeiramente curioso ver a que expedientes recorrem os que querem explicar tudo sem os Espíritos! Em vez de irem direto ao que se apresenta diante deles na mais simples das formas, vão procurar causas tão confusas, tão complicadas, que só são inteligíveis para eles. Deveriam ao menos, para completar sua teoria, dizer em que, na sua opinião, se tornam os Espíritos dos homens após a morte, pois isto interessa a todo o mundo, e provar como é que esses Espíritos não podem manifestar-se aos vivos. É o que ninguém ainda fez, ao passo que o Espiritismo prova como eles o podem fazer.

Mas tudo isto é necessário. É preciso que todos esses sistemas se esgotem e mostrem sua impotência. Aliás, há um fato notório: é que toda essa repercussão dada ao Espiritismo, todas as circunstâncias que o puseram em evidência, sempre lhe foram proveitosas; e, o que é digno de nota, é que quanto mais violentos foram os ataques, mais ele progrediu. Não seria necessário a todas as grandes idéias o batismo da perseguição, fosse ainda o da zombaria? E por que ele não o sofreu? A razão é muito simples: é porque, fazendo-o dizer o contrário do que diz, apresentando-o completamente diverso do que ele é, corcunda quando é ereto, só terá a ganhar num exame sério e consciencioso, e os que o quiseram ferir sempre feriram no lado da verdade. (Vide a Revista de fevereiro de 1869: O poder do ridículo.)

Ora, quanto mais negras forem as cores sob as quais o apresentam, mais excitarão a curiosidade. O partido que se bateu em dizer que é o diabo, fez-lhe muito bem, porquanto, entre os que ainda não tinham tido oportunidade de ver o diabo, muitos ficaram bem à vontade sabendo como ele é, e não o acharam tão negro quanto o haviam pintado. Dizei que numa praça de Paris há um monstro horrível, que vai empestar toda a cidade, e todo mundo correrá para vê-lo. Não se viram autores mandar publicar nos jornais críticas contra suas próprias obras, unicamente para que delas falassem? Tal foi o resultado das diatribes furibundas contra o Espiritismo; provocaram o desejo de conhecê-lo e serviram-no mais do que o prejudicaram.

Falar do Espiritismo, não importa em que sentido, é fazer propaganda em seu proveito; aí está a experiência para o provar. Deste ponto de vista, devemos nos felicitar pela conferência do Sr. Chevillard. Mas, apressemo-nos em dizer, em louvor ao orador, que ele se cingiu a uma polêmica honesta, leal e de bom-gosto. Emitiu a sua opinião: é direito seu e, embora não seja a nossa, não temos por que nos queixar. Mais tarde, sem a menor dúvida, quando chegar o momento oportuno, o Espiritismo também terá os seus oradores simpáticos. Apenas lhes recomendaremos que não caiam no erro dos adversários, isto é, que estudem a questão a fundo, a fim de só falarem com conhecimento de causa.

R.E. , março de 1869, p. 122